quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Se não fosse

Se não fosse...
Se não fosse a duvida
Se não fosse a literatura
Se não fossem os risos nos corredores da faculdade
Se não fosse o choro da madrugada
Se não fossem muitos livros pra pouca estante
Se não fosse o Alto da Glória
Se não fosse Machado de Assis
Se não fosse o meu agosto
Se não fosse o setembro dele
Se não fosse o outubro nosso
Se não fosse a língua inglesa
Se não fossem os ipês amarelos de Rubem Alves
Se não fosse como 2 e 2 do Caetano
Nem as águas de março do Tom Jobim
Se não fossem as palavras expressando sentimentos
Se não fosse a proteção dos braços de alguém
Se não fosse o ciúme exacerbado
Se não fosse o amor agravado e o querer acentuado
Se não fossem os esmaltes escuros
Se não fosse a leveza das saias
Se não fossem as sapatilhas floridas
Se não fosse a parede vermelha do quarto
Se não fossem os Beatles e o Chico Buarque
Se não fossem os filmes preto e branco
Se não fossem os teatros da cidade
Se não fossem os domingos no parque
Se não fosse o sonho londrino
Se não fosse o sobrenome polonês
Se não fosse o amor pela estrada
Se não fosse o receio do mar
Se não fosse a preferência pelo inverno
Se não fosse a licença poética
Se não fossem os poemas de Drummond
Se não fosse Elephant Gun de Beirut
Se não fossem as indagações infinitas
Se não fosse o gostar daquela barba grisalha
Se não fosse o raio de sol
Se não fossem as pulseiras de barbante
Se não fossem os números romanos na nuca
Se não fosse a admiração por Bertolucci
Se não fossem os textos inacabados
Se não fossem as séries abandonadas
Se não fosse o baby da canção
Se não fosse o "eu estarei lá por você"
Se não fossem os pequis de Goiás
Se não fosse a crença no carpe diem
Se não fosse a saudade do ontem
Se não fosse o descolorir da aquarela
Se não fosse tudo imperfeito,

Nada disso seria eu.

f.

Resenha: Dançando no Escuro (Lars von Trier)

Título: Dançando no Escuro (Dancer in the dark)
Lançamento: 08/09/2000 (Dinamarca)
Direção: Lars von Trier
Distribuição: Imagem Filmes




O filme “Dançando no escuro” (2000), do diretor Lars von Trier, relata a história de Selma Jezkova (Björk), imigrante tcheca que parte para os Estados Unidos nos anos 60, especificamente para o interior de Washington,  na esperança de salvar seu filho Gene (Vladan Kostig) de uma doença hereditária, da qual ela mesma sofre, e que causa cegueira. 

A história é, sobretudo, a devoção de uma mãe pelo seu filho. Björk encena com maestria a mãe solteira, que já em estado avançado de sua doença, não para de trabalhar a fim de conseguir dinheiro para a cirurgia de seu filho. Por toda esta grande obra do diretor dinamarquês, há uma miscelânea de musica e drama. A protagonista, apaixonada por musicais, recorre sempre às musicas e ao cinema para diminuir a culpa que sente por ter passado o gene da cegueira a seu filho, e trazendo o pensamento de que em musicais nunca há final triste. Porém, como já é de se esperar de um filme de Von Trier, isso não acontece com Selma. O enredo é detalhista e melodramático, com diálogos fortes e trilha sonora composta pela própria Björk, e capta a atenção do expectador de maneira extasiante, envolvendo a todos na triste história de Selma.

A personagem e seu filho moram em um trailer, ao lado da casa do casal Bill (David Morse) e Linda (Cara Seymour), que a ajudam em tudo que é possível. Porém Bill está passando por uma crise financeira e ao saber que Selma guarda uma grande quantia em dinheiro no trailer, rouba o valor com o propósito de continuar levando uma boa vida. Selma, tendo certeza de que só Bill sabia de suas economias guardadas, vai à sua casa para ter seu dinheiro devolvido. No entanto, o jovem policial recusa-se a entregar o dinheiro e os dois entram em conflito. Bill atira em si mesmo, deixando Selma culpada por latrocínio, pois Linda a acusa de tenta roubar o dinheiro de Bill e por isso atirou contra ele.

A tragédia musical fica ainda mais tocante quando Selma, presa injustamente, se recusa a gastar seu dinheiro com advogados, pois está determinada a salvar o filho. Mesmo com a insistência de sua amiga Kathy (Catherine Deneuve), a personagem não pensa nem por um minuto em deixar a cura de Gene em segundo plano. Deixando orientações para sua fiel amiga, Selma opta morte e alcança o seu objetivo.

O filme de 2 horas e 19 minutos acaba com uma das cenas mais fortes e arrebatadoras de todos os filmes de Lars Von Trier:  a jovem tcheca, que no começo da trama afirma que sempre sai antes da cena final de todos os musicais que assiste, porque “assim o filme dura para sempre”, é levada à forca e passa seus últimos instantes cantando que “esta não é a última canção, esta é a penúltima canção, e isso é tudo...” até ser interrompida pela execução.

Lars Von Trier é conhecido por mexer no psicológico de seus telespectadores, e em “Dançando no escuro”, o cineasta ultrapassou seu propósito, deixando o espectador refletir até onde o amor de uma mãe é capaz de ir pelo seu filho. Trier usa a personagem para, mais uma vez, criticar os Estados Unidos, mostrando a realidade de que os fracos não têm vez; primeiramente sendo submetidos a inúmeras horas de trabalho em uma fábrica, e depois mostrando que “a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco”, pois a justiça norte-americana a acusou sem ao menos apurar os fatos, interrompendo os sonhos da jovem tcheca. 

Björk interpretou com perfeição outro mártir dos personagens de Von Trier. Mesmo sofrendo com todas as injustiças da vida, Selma persevera lutando para que isso mude, e ainda assim é revestida de humildade e inocência, mesclando coragem e esperança, determinação e utopia. Selma é um dos grandes heróis românticos do cinema de von Trier, pois mesmo sendo decidida é uma grande vítima da história, não só das pessoas que a rodeiam, mas do sistema americano que impõe o “american way of life”. A determinação não é apresentado apenas na protagonista, visto que seus amigos, Kathy e Jeff (Peter Stormare), estão decididos a ajudá-la a todo o momento.  O casal Bill e Linda representa o egocentrismo e impetuosidade, prejudicando a jovem cega, a fim de priorizar sua estabilidade financeira e manter as aparências do estilo americano de vida. Gene, um pré-adolescente de 12 anos, também é influenciado pela cultura americana, tendo como preferência o lado materialista da história, diferentemente de sua mãe, que é simples.

O filme é mais chocante do que emotivo e traz o pensamento do espectador ao mundo real, cheio de conflito e injustiças, para como cada um busca, a seu modo, um refúgio para fugir dos problemas que a vida proporciona. Como na maioria de seus filmes, o diretor e roteirista deixa uma mensagem reflexiva e realista (ainda que isso implique não ser positiva) sobre a vida que levamos.

Trailer: